Depois de muitos debates da treta na televisão e na rádio, o parlamento volta a falar em quotas de rádio. O que se pretende, dizem eles, é apoiar a música portuguesa.
Não deixa de ser curioso que, desde 1992 (se não estou em erro), existe uma lei que define que as rádios devem passar 40% de música portuguesa (excepto as que requererem o estatuto de rádio temática). Rapidamente se observa que muito poucas rádios cumprem estes valores e nunca se viu um artista ou uma editora a levantar processos legais que seriam garantidamente ganhos porque a lei é clara. Como é que os nossos políticos querem resolver a questão? Ajustando os limites, que podem ir até 50% das músicas emitidas pelas rádios. Se uma rádio não cumpre os 40%, irá cumprir qualquer outro limite? Quem vai fiscalizar? As editoras? Os músicos? O Estado?
Música portuguesa ou europeia?
Antes de colocarmos números nas coisas devemos questionarmo-nos: queremos música portuguesa em abundância? Será que o número de ouvintes regulares de rádio se vai manter ou aumentar com a entrada de mais música portuguesa nas rádios? Sem fazer grandes análises, não creio que funcione e um exemplo claro disso é que o grupo de rádios que lidera as audiências não cumpre cerca de metade dos requisitos actuais (e o principal canal do grupo, que alguém escreveu algures que cumpria, tem muito pouca música), mas por outro lado temos as rádios públicas a apostar cada vez mais em trabalhos nacionais e a obterem bons resultados.
O que me vem mais à ideia nestas leis dos limites da rádio é que contrariam tudo o resto. Fala-se de uma Europa mais aberta, de maior liberdade na União Europeia, na criação de condições para intercâmbio artístico e, depois, está-se a querer que as rádios fiquem mais fechadas ao mercado Europeu impondo mais música portuguesa. E o resto da Europa? E o resto do Mundo? Um sistema de quotas na linha do que é defendido pelo CDS/PP representaria apenas 50% (no máximo) para música de todo o mundo onde não houvesse relação directa ou indirecta com Portugal. Se tivermos em linha de conta que mais de 60% da música comercializada em Portugal pode ser classificada como americana, a proporção seria 30% desta origem no nosso sistema de quotas e apenas 20% para o resto do mundo (onde se inclui a Europa), o que significa que se estão a colocar grandes obstáculos às bandas Espanholas, Francesas, etc. para entrar no nosso mercado e, desta feita, ficamos com os horizontes cada vez mais limitados. Se os restantes países da União tomarem medidas semelhantes, corremos o risco de nos transformarmos numa Europa falsamente unida, em que o princípio de união só serve interesses económico-financeiros e não interesses sócio-culturais.
Qualquer tipo de quota é algo constantemente problemático mas, a existir, que ao menos salvaguardasse os interesses europeus para que realmente se criasse uma cultura europeia, que passa necessariamente pela criação de circuitos musicais à escala da União. As rádios têm um papel preponderante no sucesso destas iniciativas.
Em que equipa é que jogas
Algo que não passou despercebido a ninguém que assistiu ao debate através da ARtv (porque o Serviço Público de Televisão limita-se a acompanhar apenas questões polémicas e debates do estado da nação, e este Governo ainda manda extinguir a RTP2, ou seja, a emissão de debates parlamentares vai tornar-se apenas acessível às elites, mas isso são outras conversas), reparou na presença do homem forte da subsidiária da maior multinacional de música (Tozé Brito, da Universal Music Portugal). Não deixa de ser uma presença importante mas por um lado temos a voz do Sr. Tozé Brito que quer mais música portuguesa, por outro lado temos os interesses da editora que quer promover Eminems, No Doubts e afins. Quer isto dizer que a mesma editora que está a dar prémios às rádios para levarem animadores e ouvintes aos EUA para verem concertos a troco de maior air-play dessas bandas é a mesma que quer mais música portuguesa nas rádios, que a partir do momento que as rádios passem mais também investirão mais, etc., etc., etc.. Acontece que isto é falacioso, é o tipo de resposta politicamente correcta para justificar não-se-sabe-bem-o-quê; as rádios queixam-se que não passam mais porque não há muita coisa, as editoras dizem que só fazem mais quando as rádios passarem mais o que já existe, se as rádios passarem mais o que já existe deixa de haver necessidade de fazer mais porque é sinal que já está o mercado constituído.
Exportação condicionada
Com o tipo de propostas apresentadas e com a lei em vigor, Portugal não demonstra qualquer tipo de abertura à música estrangeira, sobretudo a europeia, e isto pode vir a ser uma arma usada contra nós. Com que propósito é que uma distribuidora Alemã vai querer distribuir discos de uma banda portuguesa se, por outro lado, não consegue colocar os discos das bandas alemãs que distribui no circuito português? Ou há realmente o factor qualidade ou então essa empresa irá preferir dar relevo a uma banda alemã que faça algo parecido porque sabe que vai conseguir melhores resultados. Portanto os artistas portugueses devem pensar bem se lhes interessa ficar confinados a este canto à beira mar plantado (e aí defendem as propostas e o cumprimento da actual lei) ou se querem alargar horizontes e permitir a criação de condições sócio-culturais para uma União Europeia plural (e aí estão contra este esquema de limites ou defendem limitações que ofereçam mais-valias aos nossos vizinhos europeus).
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