06/12/2003

Segredos revelados

No final da actuação do Porto estivamos à conversa com dois elementos dos Stowaways e com Rodrigo Cardoso, em representação da Bor-Land e dos Alla Polacca.

É preciso um sindicato dos músicos

 Stowaways no Registus
Stowaways no Registus
A nossa primeira conversa foi com os Stowaways, seguem-se os melhores momentos da conversa que contou com uma interrupção devido à descarga das baterias do gravador.

  1. O facto de terem tido um tema tão rodado nos últimos tempos, sobretudo na RDP Antena 3, criou-vos alguma responsabilidade adicional ou abstrairam-se desse “sucesso” durante a gravação do disco agora lançado?
    • João Trindade (J.T.): O Amputated Leg não representa claramente o que nós fazemos, ou só o que nós fazemos. Nós fazemos um conjunto de canções, obviamente que tenham a ver umas com as outras...
    • Nuno Sousa (N.S.): Mas nós nem reparamos que o Amputated Leg foi... Reparamos que passou na rádio, se calhar por ser uma música mais mexida...

  2. Porquê esta opção de fazerem o CD “a meias” com os Alla Polacca?
    • N.S.: Foi opção das duas bandas. Foi falado há muito tempo, ainda antes deles terem ido também ao Termómetro. Inicialmente pensámos escrever coisas em conjunto, fazer um CD único com as duas bandas... Entretanto eles ganharam o Termómetro e nós propusemos ao Alvim que em vez de termos os prémios separados, se juntassem os prémios e fizémos o CD.
    • J.T.: No princípio seriam EPs individuais das bandas mas acabou por evoluir para um disco.

  3. E já que estamos a falar de disco, como é que foi trabalhar com o Mário Barreiros?
    • N.S.: Trabalhamos pouco com ele, as duas músicas que gravámos com ele foram gravadas cada uma num dia, foi trabalho de rapidez. Mas foi bom porque é uma pessoa que sabe muito mais que nós, puxa pelas pessoas e prima pelo rigor. Nós podemos ter vontade de ter esse rigor mas não sabemos como se faz e essas coisas vão-se aprendendo.

  4. Temos estado para aqui a falar mas ainda não vos ouvi a classificarem-se em termos musicais. Notam-se algumas influências no vosso som, desde Bossa Nova até à Valsa há de tudo um pouco. O que é que vocês ouvem?
    • N.S.: Se conheceres o reportório que os Alla Polacca ouvem, acabas por encontrar uma série de semelhanças com o que nós ouvimos. É uma mistura de discos dos pais, dos irmãos mais velhos, daquelas séries de televisão e da música que nos chegava pelos dois canais e pelas rádios e acabámos por ter muito presente isso. Nós tentámos manter as coisas coesas mas somos bombardeados de todo o lado de coisas e esse bombardear acaba por fazer parte da cultura comum que conhecemos. Estamos a tentar incutir uma personalidade à música que fazemos.

  5. Mas há essa preocupação de, cada vez mais, convergir para um estilo?
    • N.S.: Não é para um estilo, até porque nós nem pensamos na música em termos de estilo. Pensamos em termos de canções. Se calhar daqui a um ano não vamos gostar das canções que estamos a tocar agora. Até decidirmos que músicas iam para o disco, foi complicado.
    • J.T.: Eu acho que vamos sempre gostar das músicas. Agora daqui a um ano as coisas podem evoluir para um outro lado e poderão fazer outro sentido que agora não faz para nós.

  6. Quais são as vossas perspectivas... Ouvi o rumor que para o ano esperam apresentar um disco apenas “Stowaways”...
    • N.S.: Estas músicas pertencem a uma fase da banda, e ficou conotada como fase porque fizémos disto um disco, e gostávamos de ter incluído mais seis temas nesta gravação e não conseguimos. Gostávamos de ter lançado um disco agora... Se calhar para o ano já temos interesse em lançar outra coisa. Neste momento é mais importante para nós o gravar e o editar do que tocar ao vivo. Nós queremos lançar um álbum, vamos ver as possibilidades.

  7. E passar pelos palcos dos festivais?
    • J.T.: Não é uma prioridade, mas era bom. Justifica-se apenas se quiserem a nossa presença lá. Agora se for para ir lá para ser vaiado, não vale a pena. Nós estamos interessados em ir mas tem de haver algum feedback por parte do público.
    • N.S.: Nós fizémos a tournée da Optimus e alguns sítios foram óptimos para tocar e noutros foi terrível. Parecia que estávamos a obrigar as pessoas a ver. Agora com um disco as coisas já fazem muito mais sentido, as pessoas já conhecem.

  8. Há sempre aquele estigma de que não há locais para a música portuguesa, vocês concordam com isso?
    • N.S.: Da parte dos músicos há muita boa-vontade, há inclusive muitos locais e muita gente que tem vontade de fazer as coisas mas, infelizmente, nós e os Alla Polacca, apesar de termos uma história tão curta, já passamos por coisas terríveis que nós nunca pensámos que poderiam acontecer. Há mais boa-vontade da parte dos músicos e das pessoas que querem trabalhar do que respeito pelo que se está a fazer. Nenhuma das bandas teria a possibilidade de fazer este CD se não fosse da forma como foi feito, que foi dividindo os custos e a ajuda do Termómetro. A mim custa-me muito ouvir as pessoas a dizer “estão à espera de subsídios?” porque não é à espera de subsídios, a questão é que vais a um lado qualquer fazer um espectáculo e queres ser respeitado e muitas vezes não acontece isso. Há locais bons, poucos; há locais de pessoas competentes que têm um amor enorme pelo que fazem e há muita gente interessante por aí que se calhar nem vai ter a possibilidade de lançar um disco.
    • J.T.: Há uma certa tendência para mudar isso. Fala-se muito das pessoas não gostarem mas há interesse... e aquela conversa de “o que se faz em Portugal não interessa” irrita-me. Irrita-nos a todos!
    • Rodrigo Cardoso (R.C. - Bor Land): A prova que há interesse é que só nesta noite tiveram mais de 200 pessoas aí.
    • J.T.: As pessoas começam a querer ouvir e a querer conhecer.
    • N.S.: Também começam a haver mais espaços e maior divulgação.
    • J.T.: Ainda esta tarde falámos de Seatle e há uns anos atrás não havia absolutamente nada lá e hoje em dia é quase uma Meca. Claro que não queremos fazer de Portugal uma Meca mas vamos tentar criar um circuito de bares para puxar isto para a frente.

  9. Se calhar falta um pouco de entre-ajuda nas bandas...
    • N.S.: Falta um sindicato em relação aos músicos, porque nós não temos protecção em relação a nada. Se o concerto de hoje corresse mal nós teríamos centenas de contos de prejuízo...

  10. Faz falta de programas de televisão para promover novas bandas?
    • N.S.: O que temos (Operação Triunfo e programas do género) são concursos e eu sinto que aquilo engana muita gente. “Estamos a apostar em música portuguesa”, não estão... Estão é a dar roalties, a fazer render os roalties de músicas que já sairam há 5, 10 e 20 anos, com as mesmas pessoas de sempre e não estão a promover música portuguesa. Com o dinheiro que gastam com as pessoas que têm lá, gravam 10 ou 12 bandas boas.


2004 será um ano com diversos lançamentos Bor Land
Estivémos à conversa com Rodrigo Cardoso para conhecer mais a fundo esta editora independente do Porto

  1. Pouco mais de 3 anos Bor Land, 11º disco, pode-se dizer que tem corrido tudo a vosso favor?
    • Tem sido simpático. As coisas têm crescido gradualmente. É um acumular de pedacinhos e agora este é o “pedacinho grande”.

  2. Será este o passo que faltava para colocar os discos Bor Land nas lojas?
    • Se calhar... Agora também temos outros processos de distribuição, como a Internet. Mas a ideia é ir somando pontos para poder ir crescendo.

  3. Novos nomes no catálogo, alguma coisa que já possa ser adiantada? 2004 vai ser um ano recheado?
    • Sim... Logo nos primeiros meses temos previsto o disco de Olga, uma banda de Lisboa; vai sair também Special White Noise, do Porto; The Unplayable Sofa Guitar (Viana do Castelo); The Boy With The Broken Leg, também de Lisboa, da IC Colective; Wave Simulator e depois vai-se vendo.

  4. E compilações?
    • Isso vai sair de certeza. É obrigatório. Não sei bem quando. Queria reformular as compilações que tenho feito, tem de ser algo novo.

  5. As compilações têm sido a melhor forma de chegar ao público?
    • Também... Tem uma margem muito grande que me permite fazer uma grande promoção com as compilações, quer promover a editora, quer diversas bandas de uma só vez, o que permite fazer brincadeiras interessantes.

  6. “Why not you?” é o disco do ano do catálogo Bor Land?
    • Eu não sei. É um bocado difícil para mim gerir a opinião visto que eu estou também dentro do disco. Se fosse a escolher os momentos grandes da Bor Land em 2003 escolheria dois momentos: este disco, pelo trabalho em si, foi um trabalho que demorou 12 meses a concretizar, não foi de um dia para o outro e de relevar também Old Jerusalem, um disco que saiu em Janeiro.

  7. Há um bocado falávamos dos lançamentos para 2004... Também vai haver logo surpresas no início do ano?
    • Fevereiro – Olga, é o primeiro trabalho Bor Land em 2004.

  8. Das bandas com quem já trabalhaste até agora, relançarias todas novamente?
    • Outra vez! E se tivesse de escolher seria Old Jerusalem porque eu gosto mesmo de trabalhar com o Francisco. É simples e eu gosto de artistas que sejam simples, tudo muito objectivo, directo.

  9. Foi esse disco foi o que despertou a crítica e que levou que depois todas as compilações e o “Not the white P?”, que foi o disco anterior ao apresentado esta noite, fossem merecedores de maior visibilidade?
    • Sim, e o “Not the white P?” também tem tido algum destaque. Foi a penúltima edição, estamos ainda a obter resultados (quer para a banda quer para a editora, e eu aqui falo pelos dois) e está a ter o resultado que nós procurávamos na altura que começamos a idealizar o disco. Está a correr como nós planeávamos.


“Vamos continuar a experimentar”
A nossa conversa com Rodrigo, entretanto, direccionou-se mais para o universo Alla Polacca, do qual o editor encarna o papel de guitarrista.
 Alla Polacca no Registus
Alla Polacca no Registus

  1. A meu ver os Alla Polacca têm “jogado à defesa”, digamos assim. Compilações, dois split-CD e só recentemente um EP sem nenhuma outra banda...
    • Porque é um bocado o nosso pensamento... À base de retalhos e de somar coisas. Nós gostamos de fazer esses Splits e de participar nas compilações. Faz parte do “traço” dos Alla Polacca. Só agora é que foi possível lançar um álbum com os Stowaways e é um álbum longa duração e não quisemos mesmo editá-lo sozinhos, queríamos editar com os Stowaways, foi um objectivo. Não iria por aí de “jogar à defesa”, era a forma que nós queríamos para nos expor. Nós conseguimos superar os objectivos iniciais da banda: inicialmente o objectivo era ao fim de dois anos ter um EP; ao fim de 2 anos temos um CD.

  2. Mas é mais fácil apresentar logo 2 ou mais nomes?
    • Eu acho que não. Teria o mesmo ou mais impacto se fosse promoção directa daquele nome. Assim estamos a promover logo dois nomes, é mais difícil gerir as ideias. Nós tínhamos a possibilidade de fazer o disco como um só, não quisemos porque queríamos trabalhar neste formato.

  3. E não há problemas de uma banda ter maior projecção do que outra?
    • No panorama geral, uns gostam de uns, outros gostam de outros. Se gostassem só de um, algo estava mal. As coisas são interessantes porque existe o efeito “arrasto”: se estiverem a promover os Stowaways estão a promover Alla Polacca e vice-versa e é isso que nos leva a fazer isto desta forma.

  4. E ao vivo, também pensam manter essa forma?
    • Depois do de hoje e de amanhã (dia 29/11) ainda não temos marcado mais nenhum mas será sempre com todo o gosto.

  5. Será uma boa forma de promover a música portuguesa, levar 2 ou 3 bandas a um local?
    • Visto que as bandas quando se apresentam por norma é com recurso a singles... Se pensarmos do ponto de vista financeiro e estrutural, as co-edições são o futuro, inclusive em palco, claro.

  6. Alla Polacca, diversos trabalhos, diversos estilos, o que é que se pode esperar?
    • Nos espectáculos começa a haver público diferente porque já começa a haver a curiosidade de ver algo diferente. Vêem um concerto, vêem dois, vêem que foi algo diferente e ganham interesse em ir ver um terceiro concerto. É muito habitual fazermos versões de versões de versões, já nem sei quantas versões de uma música e vamos continuar a experimentar. Não sabemos bem o que vai sair. Temos em mente gravar, ainda não sabemos o que vamos gravar mas não sei sequer se vai seguir estes formatos. Pode ir para coisas mais reduzidas ou para coisas mais completas. Provavelmente vamos trabalhar com outro produtor, já trabalhámos com vários produtores, sobretudo: Inês Lamares com Emanuel Cabral, que gravou o disco de piano, e o Paulo Miranda. Até aí procurámos ser bastante diversos, mas já sabíamos que este disco teria de ser gravado por Paulo Miranda porque a sonoridade que ele tira é muito própria mas não sei como vai ser para o futuro.

  7. As projecções vídeo que já se têm tornado habituais, já são uma preocupação estética da banda de concerto para concerto?
    • Trabalhámos com pessoas diferentes nas projecções e dependem de concerto para concerto, das pessoas que vamos conhecendo e é algo que tentámos conciliar com a música. Usámos isso muitas vezes, às vezes nem está directamente associado ao que estamos a fazer musicalmente. Para este concerto houve a preocupação de associar as imagens ao som.

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