04/09/2003

Sons do Porto

NOTA: Este artigo foi editado a 6 de Setembro devido a um erro de transcrição que pode ter dado aso a más interpretações e maus juízos sobre as actuações, a redacção e terceiros que foram aqui mencionados. Fica desde já o pedido de desculpas pela gralha (que é natural quando se faz a redacção e transcrição imediatamente após as actuações).

Antes de mais hoje é um dia de festa para a Ponte Sonora: celebra-se hoje o nosso primeiro mês de actividade enquanto blog. Num mês falámos de rádio, falámos de filmes, cobrimos as participações portuguesas a Sudoeste, as Noites Ritual Rock mais a norte... Agora é a vez do Porto Sounds.

Para começar não se percebe muito bem o porquê deste concerto, a um dia de semana, num local que, para já, não serve para nada. O dito Edíficio Transparente tem uma camada de pó tal nos vidros que não seria má ideia renomearem para Edifício Opaco. A título pessoal não consigo prever grande sucesso para o edifício (a não ser que realmente avancem as construções descontroladas em redor do Parque da Cidade, tão polémicas no tempo do Eng. Nuno Cardoso) e não consigo compreender como é que a Câmara Municipal desinveste nas Ritual Rock e depois faz isto logo a seguir. Incompreensível. Passemos mas é ao que interessa!

Relógios atrasados

Já falei aqui nos hábitos portuenses (e não só) de começarem e chegarem sempre atrasados mas nunca disse que há horas sagradas na cidade, o jantar é uma delas. Podem haver centenas de actividades culturais pela cidade fora à hora de jantar que nenhuma irá contar com multidões, a não ser que seja um evento de gastronomia ou um evento desportivo de extrema importância para as equipas da cidade ou para Portugal. Neste Porto Sounds esta regra verificou-se. Pouco passava da hora exacta quando Francisco Menezes (aquele humorista de qualidade duvidosa que fazia o "Desterrado" na NTV e que mais recentemente fez um programa chamado "Portugal FM" para a RTP) subiu ao palco e iniciou o seu número para introduzir os Blind Zero. O recinto estava muito mal composto, não fazendo prever o que estaria para vir. Com um alinhamento essencialmente focado no "A Way To Bleed Your Lover", ficou visto que a banda não quis optar pelo caminho fácil e que está mais empenhada em dar a conhecer músicas novas do que tocar temas sobejamente conhecidos. Claro que estes também foram contemplados, curiosamente com um recinto bastante mais composto, e "Trashing The Beauty" e "Big Brother" (este último precedido das primeiras duas frases de "Another Brick In The Wall (Part II)", dos Pink Floyd) chegaram a gerar alguns pequenos focos de moche bastante moderado. As projecções vídeo continuam a servir de companhia a alguns dos novos temas, sendo particularmente agressiva a que acompanha "The Downset Is Tonight". Imagens de colisões propositadas de carros, impacto, suicídio, prazer: é disso que música e imagens falam. Já "About Now", o tema mais rock e psicadélico do novo disco, conta com uma rápida sequência de imagens de onde se destacam: Capitão América, Osama Bin Laden, George Bush, Adolf Hitler, Einstein, Becas (o personagem da Rua Sésamo) e muitas imagens caóticas. Este esquema tem-se revelado interessante mas, por outro lado, desvia a atenção daquilo que se passa em palco, dos músicos e da música propriamente dita. Outros dos temas novos, "You In Your Arms", deu a conhecer à grande maioria o novo instrumento inventado e concebido pelos próprios Blind Zero. Uma caixa com um projector dentro e que abanando gera uns ruídos semelhantes a chicotadas altamente amplificadas. Não sei que nome dão os Blind Zero ao seu invento mas eu cá chamo-lhe Reverb Box. Para acabar em beleza Vasco Espinheira pousa a sua guitarra de frente para os seus foldbacks (monitores, como são vulgarmente chamados) de forma a fazer feedback e começou a jogar com sons alterando apenas tonalidades e volumes no amplificador. Até sairam resultados interessantes; o guitarrista quase que conseguia fazer um uma melodia só dessa forma.

Miguel Guedes e companhia tiveram dois grandes desafios: o ser a banda de abertura e a aposta num alinhamento forte em temas novos. Se o primeiro só foi parcialmente ganho (começaram com muito pouca gente mas acabaram a meio-gás), o segundo foi uma aposta ganha. Mesmo sem saberem bem as letras o público aplaudia e, no final da actuação, ouvia-se mesmo gente a gritar por novo encore.

Um técnico para aqui, s.f.f.

Depois de mais um momento Francisco Menezes (desta vez com uma recriação de Michael Jackson e um rap) ligeiramente melhor que o anterior, foi a vez de Sérgio Godinho entrar em cena. Um tema com microfone sem fios e depois lá continuou com um normal devido a problemas técnicos (que mais tarde se viriam a repetir mas desta vez com os teclados de João Cardoso). Sérgio Godinho apostou essencialmente em temas que foram "hits" mas deixou muito caminho aberto para os temas de "Lupa" e de outros registos menos conhecidos. Desde que os arranjos passaram para as mãos de Nuno Rafael (Despe e Siga) todos os temas passaram a ter muito ska, rock-ska e alguma electrónica. Se por um lado pode soar bem, por outro torna-se repetitivo e retira aquele encanto de Sérgio Godinho ao natural. Cheguei mesmo a comentar que aquilo já não era Sérgio Godinho mas sim Nuno Rafael com letras e voz de Sérgio Godinho. Os momentos em que realmente reconheci o toque de Sérgio Godinho foram: "Etelvina" (numa versão mais calma, só com guitarras), "Charlatão" (tema de José Mário Branco e Sérgio Godinho) e "Lisboa que amanhece". Esquecendo os pequenos problemas que se registaram "aqui e ali", este foi o músico que contou com a audiência mais vasta e com a melhor formação. Não há um músico particular que se destaque, trabalham bem como um todo. Se houvesse um jogo maior entre a sonoridade original de Godinho e o ska, rock-ska, não teria dúvidas em classificar este como O concerto da noite, assim terá de partilhar o lugar com os Blind Zero.

Sérgio Godinho mal interpretado

Durante a actuação, Sérgio Godinho disse duas ou três vezes "vamos embora"... Acabou por ser levado à letra e quem saiu prejudicado foi Rui Veloso e os GNR.

O criador de personagens como a de "Chico fininho" e "Trolha da areosa" foi quem se seguiu ao possuidor do "Elixir da Eterna Juventude" e acabou por não sentir muito o abandono de muitos espectadores porque, ao mesmo tempo, outros (em menor número) chegavam.

Falar de Rui Veloso é sempre complicado... Dizer que o seu concerto foi baseado em "hits" é apenas meia-verdade porque o seu sucesso descontrolado até ao disco "Lado Lunar" fez com que um leque muito alargado dos seus temas ficassem no ouvido de toda a gente. Recentemente o meu colega de redacção escreveu aqui sobre televisão e a forma como esta transforma qualquer música num sucesso, o tema de abertura de Veloso foi precisamente transformado em hino por ter servido de genérico a uma telenovela; falo de "Todo o Tempo do Mundo". Um pouco por toda a parte havia gente a cantarolar a letra, pelo menos o refrão. No encore o destaque passou para "Postal Dos Correios", cujo registo discográfico conta com vozes de Jorge Palma, Tim (Xutos e Pontapés) e Vitorino no álbum "Rio Grande" do projecto homónimo. Um concerto igual a muitos outros que o canta-compositor tem feito mas que cai sempre bem.

Um concerto buy the book

Sobre a actuação dos EZ Special nas Ritual Rock, uma pessoa que estava comigo disse que era um espectáculo "by the book", eu alterei ligeiramente a frase para "concerto buy the book", visto que era totalmente promocional para levar as pessoas a comprar o disco. Sobre os GNR apetece dizer o mesmo, o que os distancia dos EZ Special é o facto dos GNR já terem muitos temas históricos e os EZ estarem agora a começar. "ósculos escuros", "e-ventos", "canadádá", "um mapa" e "sexta-feira (um seu criado)" foram temas precedidos de algumas palavras (não muito lúcidas) de Rui Reininho que, de uma forma ou de outra, deixavam subliminarmente a mensagem de que se tratavam de temas novos. Como se não bastasse, no encore volta a constar o primeiro single de "Do Lado Dos Cisnes" e daí acharmos que se estava a tentar vender algo mais que cerveja ali. Mas não se pense que só serviram temas do novo disco! O concerto abriu com um "Portugal na C.E.E." reajustado às novas realidades, passou por "Sangue Oculto", pelo multi-geracional "Dunas" (neste tema viram-se famílias inteiras a cantar também), entre muitos outros que fazem desta banda uma referência de gerações no pop-rock.

Muitas dúvidas

As primeira dúvidas que me surgiram (e às pessoas que estavam comigo): pretende-se iniciar uma nova tradição no Porto? Foi uma iniciativa avulsa da Câmara Municipal para promover o sítio que foi recentemente concessionado para ter bares e restaurantes? Será que Rui Rio se quis redimir por não ter aceite a integração do Porto no evento "100% música portuguesa" do movimento "Venham Mais Cinco"? E Miguel Guedes? Porque raio fez publicidade explícita à Sagres? E porque raio é que o vocalista dos Blind Zero fez um discurso a dizer que o Porto já estava a precisar de um evento assim quando ainda há menos de uma semana tivémos as Noites Ritual Rock nos Jardins do Palácio?

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